“Torcedores presos após briga em Joinville responderão por tentativa de homicídio
Os três torcedores vascaínos presos após briga generalizada na Arena Joinville, durante partida entre Atlético-PR e Vasco, pela última rodada do Campeonato Brasileiro, serão encaminhados para o presídio da cidade e responderão pelos crimes de tentativa de homicídio, associação criminosa, destruição de patrimônio e incitar a violência. Um deles também responderá por furto.”
Há dois crimes com nomes parecidos: organização e associação criminosa.
Organização criminosa é um crime novo no Brasil, criado em agosto de 2013, e como tal, ainda gera muita discussão e dúvidas. A verdade é que, em seus extremos, é fácil de ser caracterizado, mas quando a situação não é extrema, ele tende a se confundir com a associação criminosa, que é outro crime (até agosto chamado de formação de quadrilha ou bando, mas que mudou de nome e sofreu algumas modificações).
Segundo a lei, a organização criminosa existe quando há “a associação de 4 ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional”
Lendo com cuidado, podemos identificar os seguintes requisitos para que se configure a organização criminosa:
- Quatro ou mais pessoas; e
- Os criminosos estão estruturalmente ordenados (sabe-se quem é chefe e quem é subordinado); e
- Os criminosos têm tarefas distintas; e
- Estão associados para obter vantagem através do cometimento de um delito; e
- Tais delitos têm pena máxima acima de quatro anos ou acontecem ou têm efeitos em mais de um país.
No caso da reportagem acima, a tentativa de homicídio tem pena máxima superior a quatro anos. Mas haveria três problemas para a caracterização da pancadaria no jogo como organização criminosa.
Primeiro, a polícia, por enquanto, só cita três pessoas. A lei exige, no mínimo, quatro. Mas esse critério é relativamente fácil porque havia mais de três pessoas envolvidas, ainda que ainda não se saiba a identidade de todas elas.
Ainda assim restariam dois outros problemas: os criminosos estão estruturalmente ordenados e dividiram as tarefas entre si?
Se os membros de uma torcida organizada combinam que, se houver tumulto, alguns segurarão e outros baterão nas vítimas, ou que alguns atacarão pelas arquibancadas superiores e outros pelas inferiores, isso caracterizaria uma divisão de tarefas. Mas se a violência explode e as pessoas simplesmente agem como bem querem, cada uma livre para fazer o que bem deseja, não há divisão de tarefa.
Para usar uma analogia futebolística, há ordenação e divisão de tarefa em um time profissional no qual cada um sabe a quem está marcando ou qual sua zona de marcação, ou se sua posição é ponta direita, atacante ou zagueiro. Mas em um grupo de crianças correndo atrás de uma bola o tempo todo não há divisão de tarefas.
Se uma torcida organizada divide tarefas de forma que uma pessoas carregue a bandeira e outra o bumbo e outra puxe o refrão, há divisão de tarefas. Mas essa divisão de tarefas não é suficiente para caracterizá-la como organização criminosa se no jogo ela praticar violência contra a outra torcida porque a divisão de tarefas tem que ter o objetivo de obter uma vantagem através da pratica de um crime, e a divisão de tarefas que combinaram não tinha esse objetivo. A prática do crime, em si, não foi organizada.
Esses requisitos existem porque a nova lei precisou diferenciar organização criminosa de associação criminosa, que é um crime que já existia (até então chamado de quadrilha ou bando) no qual três ou mais pessoas, juntas, se associam para cometer um delito. Aqui não há necessidade de ordenação estrutural ou divisão de tarefas. Basta que elas tenham se associado para cometer crimes. Qualquer crime, independente do tamanho das penas.
Voltando à primeira analogia, todos os jogadores correndo o tempo todo atrás da bola já configuraria uma associação. Na associação, basta que os criminosos se associem para cometer crimes. Tais crimes não precisam estar sequer predefinidos no momento em que se associam. Daí a polícia, na reportagem acima, ter preferido indiciar os suspeitos por associação criminosa e não por organização criminosa.
Mas existe uma outra possibilidade: que não haja nem associação nem organização criminosa. Tanto na associação quanto na organização criminosa, há a necessidade de os criminosos se unirem com o intuito criminoso. Se não havia intenção de se unirem, tais crimes não existem.
O triste fato é que em um tumulto generalizado, muitas vezes as pessoas param de agir racionalmente. Deixam-se levar pelas emoções. Agem e reagem de forma animalesca. Ora, se elas agem irracionalmente, não dá para falar que elas se associaram porque, para associarem-se é necessário racionalidade. Logo, se eles chegaram ao estádio como um grupo de torcedores preparados 'para o que der e vier', é possível falar em associação criminosa. Mas se não se conheciam e calharam de estar no mesmo local e foram tomados pelo mesmo senso de agressividade contra pessoas do outro time, fica muito mais difícil dizer que eles quiseram se associar.